quarta-feira, 9 de junho de 2010

PARA CASA – O EXERCÍCIO DO PODER

Cheguei mais cedo à escola. Resolvi andar pelos corredores quando deparei com a cena. Lá estava ela. Olhos esbugalhados, nariz vermelho, lágrimas rolando rosto abaixo. O lápis, neste momento, escorregadio de suor e lágrimas, enfiado entre os dedos nervosos pela pressa de ir embora e a vontade de fazer xixi, se encaixava nos sulcos do triângulo: polegar, indicador e médio.

Era uma situação de pânico. Ali sozinha entre quarenta carteiras e um quadro cheio de PARA CASA, com uma observação em letras garrafais: PARA AMANHÃ, SEM FALTA. A ansiedade, que tomava conta daquele coraçãozinho com apenas oito anos, tinha um tamanho desproporcional.


Aproximei-me:

_Oi!


Ela não ouviu, ou melhor, não percebeu minha presença. Havia diante de si apenas uma coisa: o obsessivo PARA CASA

 
Tentei mais uma vez:

 
_Olá! Está em apuros com o dever de casa?


Neste momento pude perceber minha insignificância naquele espaço ocupado por solidão, medo, ansiedade e o Para casa.


Parou por um instante, limpou o nariz, passou os olhos pela sala como se procurasse algo onde se agarrar (quem sabe a saia da mãe...quem sabe a mão da tia...), mas voltou logo. O Para casa estava lá. Repressor, punitivo, obrigatório, grande e difícil.


Indaguei bem baixinho:

_ Quer ajuda?


Foi exatamente nesta hora que aquela ingênua boca balbuciou:

 
_ A tia já foi. Todos foram embora, mas acho que estou de castigo. Só posso sair quando terminar de copiar o Para casa. A tia disse que eu sou mole, fico conversando com a Clarinha.


Não conteve o xixi. Foi seu primeiro instante de relaxamento, seguido das palavras:


_ Eu falei para a tia que não agüentava segurar mais e aí ela disse que eu só podia sair quando terminasse de copiar o Para casa. Ainda bem que eu já terminei. Agora é só copiar as respostas da Clarinha. Ela é minha vizinha e sua mãe é professora. Faz tudinho pra ela.


Fiz questão de acompanhá-la até o portão da escola, onde o irmão a esperava aflito. Despedimo-nos. Ela me agraciou com um sorriso e cochichou:


_ Não conta pra tia.


E eu perguntei:

 
_ O quê?

 
_ Que eu não gosto de Para casa. Se ela não souber, quando eu ficar conversando com a Clarinha, não vou precisar ficar copiando um Para casa tão grande.



Ela se foi e deixou-me na cabeça uma questão:

 
Qual é a verdadeira finalidade do Para casa no processo escolar?

 
Achei esse texto em uma antiga revista AMAE Educando.


Fica para nossa reflexão..."




Fonte:http://www.paixaodeeducar2.blogspot.com/

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